Desde fevereiro, a Ilha da Madeira tem recebido um novo tipo de turismo, bem diferente daquele que costuma desembarcar em hordas dos navios de cruzeiro ou vindo diretamente do norte da Europa para banhos de sol. São pessoas que têm em média 30 e poucos anos (mas também 20 ou mais de 60), vindas de diferentes cantos do mundo, bem-sucedidas e com uma característica em comum: a possibilidade de trabalhar à distância. São os nômades digitais.
Inaugurada apenas três meses depois de idealizada, em parceria entre o governo e a iniciativa privada, a Digital Nomads Madeira provocou uma verdadeira revolução num pedacinho da ilha (a Ponta do Sol, onde se instalou) e se transformou num case de sucesso mundial imediato. No final de maio, já somava 1.000 frequentadores - e acumulava um impacto econômico local de 1,5 milhão de euros por mês, muitíssimo bem-vindos especialmente em tempos de pandemia e lockdown.
“O grande segredo aqui é que nos estruturamos em comunidade”, diz o consultor Gonçalo Hall, idealizador do projeto. “Tem aulas de yoga, de crossfit, as pessoas se juntam para fazer passeios, organizamos workshops gratuitos de temas variados. E no meio do dia podemos dar um mergulho ou fazer uma caminhada na floresta, tudo aqui ao lado!”
“Desde o primeiro dia me senti acolhido pela comunidade. Rola toda uma articulação de pessoas se ajudando e agregando conhecimento ou experiências ao grupo. Pessoas oferecendo carona, hospedagem, workshops, consultoria, empregos. O que foi construído aqui vai muito além de apenas uma vila nômade, é o tipo de comunidade que estimula a troca e a integração”, diz o brasileiro João Vicente Costa Velho de Abreu, designer gráfico de 33 anos que mora em Lisboa e trabalha virtualmente para uma empresa dos Estados Unidos.
João pretendia ficar três semanas e acabou ficando sete, numa casa dividida com gregos, ucranianos e tchecos. “Já tenho agregado muitos conhecimentos que adquiri aqui: investimentos, domínio de novas ferramentas que uso na minha profissão e agora estou implementando na minha empresa, livros, aula de bateria... é muito inspirador!”
A vila nômade construiu um pool de hospedagens, negociou tarifas especiais com os proprietários e ajuda os nômades a conseguirem um espaço para morar - de repúblicas em casas grandes, onde um quarto pode custar menos € 300 por mês, a apartamentos privados (cerca de € 1.200) e quartos de hotel (que podem chegar a € 3.000 ou € 4.000). A gestão é feita pela Digital Nomads e todos as despesas com água, luz e internet estão incluídas.
Gonçalo estima que vive-se bem com uma média de € 1.500 por mês, suficientes para hospedagem, alimentação, passeios e deslocamentos pela ilha. E fala sobre o impacto positivo desta movimentação para a comunidade local: “são viajantes que não estão de passagem, eles chegam para ficar dois meses, em média, e gastam entre € 30 e € 40 por dia, pelo menos, nos negócios locais”, diz ele.
Maria José, dona dos restaurantes Old Pharmacy e Steak & Sun, nos arredores da vila nômade, não podia estar mais animada. Ela saiu de um cenário onde as casas estavam às moscas, por causa da pandemia, para estarem lotadas todos os dias. E já está fazendo adaptações nos menus por causa dos novos clientes, incluindo opções vegetarianas e veganas. “Estou fascinada com este projeto”, diz ela. “Estas pessoas trouxeram nova vida. Elas desafiam-nos todos os dias, é uma troca constante e maravilhosa!”
O projeto deu tão certo que já está se espalhando pela ilha. Até outubro serão cinco novos hubs - além da Ponta do Sol, haverá unidades no Funchal, no Machico, em Santana, em Santa Cruz e até na ilha vizinha de Porto Santo. A convivência e a troca de experiências entre os viajantes já está gerando frutos. Já nasceram duas empresas e uma ONG na área de educação ambiental nos corredores da primeira unidade da Nomad Village.
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